segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Ainda levará tempo para se ter privacidade na internet

Criador do wikileaks critica google em novo livro e diz que Brasil deve proteger pessoas da ambição de outros estados

LEANDRO COLONDE LONDRES
Asilado na embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, o fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange, 43, afirma que é "impossível" ter privacidade na internet. "Isso ainda vai levar muito tempo", disse, em entrevista exclusiva à Folha, na sexta-feira (6).
Assange recebeu a reportagem para falar sobre seu novo livro, "Quando o Google encontrou o WikiLeaks" (Editora Boitempo), que chega ao Brasil na próxima semana. O livro aborda um encontro dele com executivos do Google em 2011.
A empresa, para Assange, tornou-se a vilã do controle de dados pessoais e aliada do governo dos EUA, com quem o fundador do WikiLeaks trava batalha jurídica em razão da revelação de documentos sigilosos, muitos deles segredos militares e diplomáticos.
Assange pediu asilo ao Equador em Londres para evitar a extradição para a Suécia, onde vivia e é acusado de crimes sexuais em 2010.
Ele se diz inocente e teme ser enviado aos EUA para ser julgado devido ao WikiLeaks.
Por questões de segurança, Assange pediu que não fosse feita imagem do local da entrevista. Do lado de fora da embaixada, um policial britânico fazia a vigilância.
-
FOLHA - Por quanto tempo o senhor conseguirá viver na embaixada?
JULIAN ASSANGE - O presidente Correa (Rafael Correa, presidente do Equador) fala em 200 anos, mas espero que não seja por muito tempo. Há uma questão interessante, alguns benefícios, por questões de segurança nacional. Não há polícia britânica dentro da embaixada, não há intimações, tribunais. É como uma terra de ninguém. Não há lei formal, há apenas relação entre seres humanos.
Há uma certa curiosidade sobre sua rotina.
Brinco com minha equipe quando me perguntam isso e digo: vamos mostrar meu lado humano. Eles brincam: 'estamos procurando isso nos últimos quatro anos'. Mas não tenho que falar disso. Estou comprometido com o que estou fazendo, tenho família, me preocupo com ela.
O sr. tem visto seus parentes?
Não posso falar por questões de segurança.
O sr. não pode sair daqui. Não se parece com uma prisão?
Em alguns momentos, sim, porque recebo visita, há um aparato policial lá fora vigiando 24 horas por dia. Não é um ambiente saudável. É uma situação difícil, mas outras pessoas também estão em situações difíceis e estou confiante que vou sobreviver.
É viável uma solução no curto prazo, como uma negociação com as autoridades?
Os países envolvidos, como Reino Unido e Suécia, querem mostrar firmeza. Já as autoridades dos EUA se recusam a conversar. É importante destacar que organizações de direitos humanos revelaram à ONU preocupação com minha situação.
O que tem feito o Wikileaks?
Três coisas: uma é desenvolver recursos mais sofisticados de sistemas de pesquisa para nosso material, por um assunto ou uma palavra. Temos 3,1 milhões de documentos publicados, e desenvolver isso é importante para o jornalismo e pesquisas acadêmicas. A outra é trabalhar em cima de novas publicações, relacionadas a setores de inteligência. Em terceiro, estamos nos defendendo na Justiça pelo mundo.
E como estão os processos?
São vários, espalhados, mas sobretudo nos EUA, onde há uma acusação interessante de conspiração e que poderia ser aplicada a qualquer empresa de mídia: um jornalista que trabalha para um veículo obtém uma informação de uma fonte e dizem que a fonte conspirou com o jornalista. Não. O jornalista discutiu com seu editor, que trabalhou nesse material para publicar. Essa chamada conspiração é parte normal do processo. Se os americanos forem bem-sucedidos nessa teoria, qualquer mídia poderá sofrer essa acusação.
Quantas pessoas trabalham hoje para o Wikileaks?
Tenho orgulho disso. Apesar de tudo, de bloqueio bancário, eu aqui na embaixada, esse apoio tem crescido. Não é um número alto, mas é significante. Só não posso falar.
Durante esse tempo asilado, o sr. se arrependeu de algo em relação ao WikiLeaks?
Não tenho arrependimentos, tenho muito orgulho do que fiz. E sobrevivi a isso. Mas tiro lições das estratégias do passado. Às vezes, você tenta voltar no tempo e percebe que, em situações específicas, foi forçado pelas circunstâncias.
Poderia dar exemplos?
Eu subestimei o quanto a Suécia tinha mudado nos últimos 30 anos. A Suécia ficou famosa nos anos 70, quando o premiê Olof Palme aceitou refugiados do Vietnã e o país promoveu sua reputação. Mas, desde seu assassinato, em 1986, a Suécia se transformou no país mais próximo dos EUA na Europa, com exceção do Reino Unido. Foi um equívoco de minha parte. Eu também não entendi direito a natureza do "The Guardian" (jornal que rompeu parceria com Wikileaks). Sou australiano e o via como um jornal "antiestablishment", mas isso não era verdade. É um jornal que representa parte do establishment britânico. Quando você é estrangeiro, leva tempo para entender noções de poder do país.
O seu novo livro aborda a possível "morte" da privacidade na internet. Como as pessoas podem protegê-la?
Isso é impossível para a maioria das pessoas e ainda vai levar muito tempo. Por outro lado, as pessoas estão acordando para o que está acontecendo com o Google e criando demandas para algo que preserve a privacidade e reprima o apetite do Google, cujo negócio é coletar informação privada. Pelo menos 80% dos smartphones são controlados pelo Google, que grava as localidades, contatos, e-mails, o que pesquisaram.
Essas informações são integradas com outras coletadas no Gmail e no Youtube para construir um perfil sobre você. Não é só uma empresa de tecnologia. É a segunda maior companhia dos Estados Unidos, com conexões com o Departamento de Estado, trabalhando com projetos de inteligência nos últimos 12 anos.
Por isso afirma no livro que o Google não é o futuro da internet?
Seu modelo é uma armadilha do serviço gratuito, oferecendo maneiras de pesquisa que parecem ser de graça, mas não são. É um anzol, e você é o peixe que morde a isca com informação pessoal.
No começo, parecia que o Google não atuava como organização lucrativa, porque oferecia serviços gratuito com simples técnicas de pesquisas, um logo colorido. Mas o fato é que essa organização está levando a política externa americana para outros países.
Como vê a repercussão do caso de espionagem dos EUA no Brasil?
Ou o Brasil define suas instituições e tem o seu governo ou os EUA vão sempre encontrar uma maneira de meter os dedos no governo brasileiro.
O governo de Dilma Rousseff deve proteger a sociedade brasileira da ambição de outros Estados e das empresas conectadas com esses Estados.
O país tem de buscar passos para ser independente. Infelizmente, o governo dos Estados Unidos e as suas instituições privadas têm sido bem-sucedidos em corromper funcionários e empresas dos governos, incluindo no Brasil.
Essas pessoas pensam que a independência do Estado brasileiro é acoplada a suas ambições e estão dispostas a vender e trocar equipamentos militares para as missões de treinamento e de alta tecnologia com agências americanas.
Qual sua opinião sobre o debate do "direito de ser esquecido" envolvendo o Google na Europa, em que as pessoas podem requerer a retirada de links quecitam seus nomes das pesquisas do site?
O que me parece é que a Europa está decidindo formalmente testar o quanto eles podem empurrar para fora a dominação americana. É uma experiência sobre quão independente é o ocidente europeu. O Google tem economicamente o tamanho de algumas nações, como Nova Zelândia e Portugal. Na verdade, podemos dizer que o Google é como um Estado, e Estados têm obrigações. Quando seu poder aumenta, a responsabilidade também. O Google tem serviços como efeitos civis em bilhões de pessoas. Ou seja, no caso dele, não é publicar ou não publicar alguma coisa. Folha, 09.10.2015

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Soberania digital

Um elemento novo surgiu nos debates políticos nacionais: a chamada "soberania digital", um conjunto de medidas para que um país não se torne excessivamente dependente de outros no que diz respeito ao uso da tecnologia e da internet.
O conceito surgiu a partir da constatação de que a rede faz parte da infraestrutura básica dos países, com a qual cada vez mais serviços públicos vão se integrar: transporte, energia, telecomunicações, saúde, planejamento urbano, defesa. Com isso, na medida em que um país fica dependente de outro com relação à internet, seus serviços públicos por tabela também ficarão.
Não existe uma receita única para promover a "soberania digital". Países autoritários como a China são o caso mais extremo. Exercem controle estatal direto e proíbem estrangeiras de atuar na rede local, tanto na infraestrutura técnica, quanto na camada dos serviços.
A China simplesmente proíbe que sites estrangeiros operem localmente. Na lista: Wordpress, Vimeo, Google, Facebook, Dropbox. Nenhum é acessível por lá. As penas para quem contorna a proibição são severas.
Outras medidas extremas para a promoção da soberania digital incluem, por exemplo, uma lei aprovada recentemente na Rússia. Ela obriga empresas de internet a armazenarem dados coletados sobre russos em servidores localizados no país.
Apesar desses casos extremos, que denigrem a própria ideia de "soberania digital", o conceito é na verdade de importância crucial. Todo e qualquer país hoje, incluindo o Brasil, precisa ter uma política sobre o tema. Na área civil, o Ministério que vinha ensaiando um pensamento mais sistemático sobre o tema era o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Por exemplo, o MCTI organizou em abril de 2014 o NetMundial, a bem-sucedida iniciativa brasileira de discutir a "governança" da rede a partir de modelos mais abrangentes.
Com a troca recente de ministros, há nos bastidores uma movimentação para se retirar do MCTI capacidades para articular esse tema. A ideia é transferir competências exercidas pelo MCTI nos últimos anos para o Ministério das Comunicações e a Anatel. Se a mudança for para frente, será um erro. A "soberania digital" é conceito que deve ser articulado de forma ampla, e não a partir de uma visão setorial. Afirmar que o tema pertence institucionalmente ao território das "comunicações" é partir de uma premissa equivocada.
Para promover a soberania digital o Brasil precisa articular fatores complexos: mobilizar universidades para a questão; promover a concorrência, diversificando a infraestrutura da rede nos níveis regional e global; desenvolver capacidades para concorrer com serviços on-line globais; promover marcos legais que reforcem direitos e ajudem a inovação etc. Algumas dessas medidas passam pelo setor de telecomunicações. A maior parte delas, não.

Há uma expectativa de que o Brasil avance como um protagonista relevante na governança da internet global. Para isso acontecer, primeiro o tema precisar ser enfrentado localmente e ser encarado como política de Estado. Folha, 13.01.2015
ronaldo lemos
Ronaldo Lemos é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. É professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UERJ e pesquisador do MIT Media Lab. Foi professor visitante da Universidade de Princeton. Mestre em direito por Harvard e doutor em direito pela USP, é autor de livros como 'Tecnobrega: o Pará Reiventando o Negócio da Música' (Aeroplano) e 'Futuros Possíveis' (Ed. Sulina). 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

ONU aprova resolução proposta pelo Brasil contra espionagem

Texto atualiza diretiva adotada em 2013, após denúncias de Snowden, e faz menção a metadados

No entanto, a pedido dos EUA, trecho que dizia que coleta de dados era 'altamente intrusiva' foi excluído
GIULIANA VALLONEDE NOVA YORK
A Terceira Comissão da Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta terça-feira (25), por consenso, um novo projeto de resolução que busca garantir o direito à privacidade.
O texto, apresentado por Brasil e Alemanha, é uma atualização de resolução adotada em 2013, após os escândalos de espionagem no governo dos Estados Unidos revelados por Edward Snowden.
Entre as mudanças, está a menção aos metadados ""que incluem informações como origem e destino de e-mails, histórico de visitação de páginas na internet e detalhes sobre ligações telefônicas.
Para os países, o acesso a esses dados pode revelar tantas informações quanto o conteúdo de comunicações.
A referência, no entanto, foi modificada no texto aprovado a pedido de Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.
O projeto original classificava a coleta destes dados como "altamente intrusiva", expressão que ficou de fora da versão final.
Os cinco países, que trocam informações e realizam operações conjuntas por meio de uma rede chamada de "Five Eyes" (cinco olhos), argumentam que a coleta de dados é importante no combate ao terrorismo.
CRÍTICAS
Em discurso na Comissão após a aprovação, o embaixador-adjunto do Brasil na ONU, Guilherme Patriota, criticou a retirada de termos "mais firmes" do texto.
"Referências aos princípios de precisão e proporcionalidade não foram tão fortes como deveriam ser."
"Programas de vigilância ""como qualquer atividade que representa uma ameaça aos direitos humanos--devem ser precisos e proporcionais à prossecução de objetivos legítimos", afirmou.
"Como alguns membros não estavam na posição de admitir esse princípio básico da lei internacional, não pudemos afirmar isto nos termos mais firmes."
O texto inclui ainda menção sobre o papel de empresas privadas na vigilância digital, dizendo que elas também têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos.
Os países também conclamam o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a nomear um relator especial para o tema.
O documento, que tem coautoria de 65 países, será votado na Assembleia-Geral da ONU até o fim de dezembro e deve ser aprovado sem resistência no plenário.
Folha, 26.11.2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Regras da conquista virtual

Em livro, matemático fundador de site de namoro revela curiosidades sobre ocomportamento de quem busca um relacionamento on-line

JULIANA VINESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em vez de perguntar já no primeiro encontro se seu pretendente quer ter filhos ou não, pergunte se ele gosta de filmes de terror e se já viajou para o exterior sozinho.
Em três quartos dos casais "duradouros" formados pelo site americano de encontros OKCupid, as duas pessoas deram a mesma resposta a essas perguntas.
O cálculo é do matemático americano Christian Rudder, 39, um dos fundadores do OKCupid e autor de "Dataclysm: Who We Are (When We Think No One's Looking)" ""algo como "Dataclisma: Quem Somos Quando Pensamos que Ninguém está Olhando".
No livro recém-lançado, ele analisa dados de usuários de redes sociais e do próprio site --Rudder estima que, só neste ano, 10 milhões de pessoas usarão o OKCupid--e faz revelações curiosas.
Além de descobrir que perguntas sobre o cotidiano ajudam mais na escolha do parceiro do que questões "sérias", Rudder afirma que fotos com flash fazem com que a pessoa aparente ser sete anos mais velha e que asiáticos sempre se descrevem com a frase "alto para um asiático".
Curiosidades à parte, o objetivo de Rudder é ambicioso. Ele defende uma ciência que desvende o comportamento a partir dos nossos rastros na internet, os dados conhecidos como "big data".
"Os dados das interações on-line têm um alcance mais amplo do que qualquer amostra de laboratório e são mais honestos do que qualquer pesquisa com questionários, porque as pessoas são mais sinceras na internet, agem livres de qualquer julgamento", disse Rudder em entrevista à Folha, por e-mail.
DILEMAS ÉTICOS
Para o sociólogo Dario Caldas, consultor de tendências do Observatório de Sinais, as questões éticas ao lidar com o "big data" não estão claras.
"Esses dados oferecem como possibilidade a identificação de padrões que seriam difíceis de serem obtidos de outra forma. Mas o acesso é restrito --quem tem ganhado com isso até agora são as empresas e os governos."
Por exemplo: recentemente, o Facebook esteve envolvido em polêmica por tentar manipular o humor de quase 700 mil usuários com posts negativos e positivos para um experimento sobre "contágio emocional". A chefe operacional da rede social se desculpou publicamente.
No caso de Rudder, muitas das estatísticas citadas no livro só foram obtidas porque ele tem total acesso a dados privados dos usuários.
"Aceitamos fazer parte de experimentos quando entramos nesses sites. Ninguém lê, mas está nos termos de adesão. Abrimos mão de parte da nossa privacidade em troca de estar nas redes sociais", afirma Raquel Recuero, pesquisadora na área de redes sociais e professora da Universidade Católica de Pelotas.
Em páginas e aplicativos de namoro, os dados dos usuários são convertidos em algoritmos para facilitar a busca pelo parceiro.
Em suas análises, Rudder descobriu que as pessoas são mais exigentes em sites de relacionamento do que na vida off-line. Além de preferências pessoais, tendências gerais de comportamento ajudam a determinar o "par ideal".
"A maioria dos homens prefere mulheres mais novas, então os perfis já vêm configurados para exibir na busca mulheres mais jovens", afirma Gaël Deheneffe, diretor de produtos do site ParPerfeito.
Formação e o fato de a pessoa morar sozinha também são critérios importantes para os brasileiros.
De acordo com Deheneffe, a pré-seleção feita pelo site ajuda. "Se não diminuímos o universo de usuários, você não encontra ninguém. Os algoritmos estão aí para multiplicar os encontros."
Para a psicóloga Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC-SP, o mesmo algoritmo que pode ajudar a encontrar um parceiro pode afastar a pessoa ideal ao reduzir as possibilidades.
"Na vida real, eu poderia conhecer um japonês e ver que ele é superbom de papo, mas nesses sites pode nunca aparecer um japonês na lista porque eu não curti' nenhum e disse que quero um loiro de olhos azuis. Quem disse que sabemos o que queremos?"

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Stuxnet: Arma de governo dos EUA contra o Irã

Especialista em vírus conta como uma força-tarefa revelou, aos poucos, o principal malware feito por um Estado, o Stuxnet, instalado pelos EUA em usina no Irã
ALEXANDRE ARAGÃODE SÃO PAULO
Quando conseguimos o código, não nos demos conta da importância. Percebemos que era um caso interessante, mas não tínhamos ideia de que havia infectado um sistema de enriquecimento nuclear --nem sabíamos que havia sido encontrado no Irã.
Foi em 2010, quando tivemos acesso ao Stuxnet original. Ele foi encontrado por uma pequena empresa de antivírus de Belarus. As companhias do Leste Europeu prestam muitos serviços de segurança para o Irã porque não têm restrições em fazer negócios com aquele país, ao contrário do resto da Europa.
Começamos a prestar mais atenção porque o vírus explorava uma falha de dia zero --vulnerabilidade de um sistema, como o Windows, que não haviam sido notadas antes. Falhas de dia zero são raras, valiosas e interessantes.
Só então encontramos outras falhas dia zero sendo exploradas. Não havíamos nunca, jamais, visto malware que explorava mais de uma falha dia zero. O Stuxnet explorava três. O que é completamente único. E isso imediatamente diz que não é normal.
Então começamos a nos dar conta de que o que tínhamos na mão era tão grande e complicado, e provavelmente foi tão caro para ser desenvolvido, que a fonte era um governo. Também encontramos dicas de que o vírus fora encontrado no Irã e tinha a ver com o programa nuclear.
Um amigo meu da empresa Computer Associates, da Austrália, foi o primeiro a declarar em uma lista de e-mails que, com base no que havia sido descoberto até então, era seguro dizer que tratava-se de uma operação do governo dos Estados Unidos contra o programa nuclear iraniano.
Ele enviou esse e-mail e, dois minutos depois, enviou outro dizendo que gostaria que todos soubessem que ele nunca teve tendências suicidas --só para o caso de ser encontrado morto. Isso é o quão paranoicos estávamos.
CONFIGURAÇÃO
A não ser que a rede infectada esteja configurada de forma específica, o código não faz nada. A rede precisa de um modelo específico de conversores de energia que precisam estar conectados em grupos específicos.
É a digital do sistema. É assim que o vírus sabe que está na usina certa. Se não encontrar essa configuração, não faz nada. Se o terminal de uma fábrica de alimentos em São Paulo for infectado, nada acontecerá porque a configuração é outra.
A pergunta passou a ser: "Há alguma instalação iraniana com essa configuração?". Procuramos fotos no site da Presidência do Irã.
Encontramos uma do então presidente Mahmoud Ahmadinejad olhando o monitor de uma usina. Demos zoom. O computador à frente mostra a disposição da usina --que casa exatamente com a do Stuxnet. Foi assim que provamos. Depois, descobrimos por meio de outras fontes que estávamos certos.
O governo americano restringiu o vírus porque não queria causar dano, por exemplo, dentro do próprio país ou em outro lugar. Quando um sistema é infectado, a primeira coisa que o vírus faz é checar a data. Se passou de junho de 2012, não faz nada. O Stuxnet expirou. Folha, 02.09.2014.
www.abraao.com

www.abraao.com

www.abraao.com

www.abraao.com

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Laços sociais influenciam mais do que a internet: Sociólogo que estuda como agimos em rede diz que mídia dissemina dados, mas não consegue mudar comportamentos

ENTREVISTA - NICHOLAS CHRISTAKIS

RAUL JUSTE LORES

ENVIADO ESPECIAL A NEW HAVEN (CONNECTICUT)
No futuro, será possível prever o estouro de protestos ou até antecipar revoluções "medindo" o conteúdo das redes sociais. É o que afirma o cientista, médico e sociólogo Nicholas Christakis, 52, PhD em Medicina por Harvard e diretor do Laboratório da Natureza Humana da Universidade Yale.
Suas pesquisas investigam como agimos em rede, não apenas na internet.
"Mas não copiamos tudo que vemos na internet ou na TV. Os laços sociais são muito mais importantes. Quando temos liberdade de escolha, copiamos nossos amigos".
Ele recebeu a Folha em Yale e falou como fenômenos sociais se espalham --de linchamento e difamação na internet à obesidade e o abandono do fumo. Veja trechos da entrevista.
MANADA NA REDE
Essa justiça de milícias, feita com as próprias mãos, pode se repetir assim como os suicídios. Quando um adolescente se suicida, é comum outros adolescentes que tiveram contato com essa notícia cometerem suicídio. É um fenômeno das redes.
Quando você me fala de pessoas que amarraram um assaltante contra um poste, claramente a maneira simbólica de fazer justiça se espalhou. É o efeito manada na rede social. Isso me lembra os julgamentos das bruxas de Salem nos EUA no século 17 ou a justiça cometida pelos talibãs no Afeganistão. Mas nem tudo que vemos na TV copiamos em seguida. Os laços sociais, o que nossos amigos fazem, têm um peso muito maior do que é visto pela TV.
COPIAR OS AMIGOS
A conexão profunda é com outra pessoa. As redes on-line são boas para disseminar informação, mas se um amigo seu decide ir pra rua, é mais possível você querer segui-lo. A mídia on-line não é tão eficiente em mudar comportamentos.
Um grande amigo tem mais peso em influenciar você para ver um filme, mais do que qualquer propaganda. Interações sociais são bem mais importantes, têm mais peso do que aquilo que você vê na internet. Quando temos liberdade para fazermos o que quisermos, copiamos outros.
BOLHAS
A tecnologia moderna facilita que sejamos amigos de pessoas que são exatamente como gostamos. Em uma sociedade mais fragmentada, posso só interagir com quem fala de futebol ou só assiste Fox News. Tornamo-nos mais seletivos, esse é um problema. Na rede é mais fácil criar bolhas e reduzir a variedade nas nossas vidas.
'OBESIDADE CONTAGIOSA'
Existe o efeito da viuvez. Há 150 anos se estuda o chamado "morrer de coração partido". A probabilidade de morrer quando se perde o parceiro ou a parceira de muitos anos duplica no primeiro ano para viúvos e viúvas.
Mas isso não é restrito a maridos e esposas e, sim, a vários pares de pessoas, que podem ser irmãos ou amigos, com conexões muito fortes.
Usamos matemática e diversos graus de separação e descobrimos que a obesidade se espalha em "clusters".
A possibilidade de ser obeso é 45% maior se o seu melhor amigo é obeso e 25% maior se é amigo de amigos obesos. Para laços de terceiro grau, a chance cai para 10%. Trabalhamos com diversas hipóteses --de hábitos parecidos, de gente que se aproxima por se parecer.
ANONIMATO
Os ataques on-line e a agressividade dos comentários da internet me fazem lembrar do Carnaval, dos bailes de máscaras. O anonimato permite que as pessoas façam coisas que ordinariamente não fariam. O mundo digital desinibe as pessoas para o bem e para o mal.
ESPALHAR BONS HÁBITOS
Estamos usando essas ferramentas em testes em Yale para descobrir como se espalha a inovação. Desde como fazer médicos prescreverem menos antibióticos a como fazer com que mais gente queira abandonar o fumo.
Você mapeia redes sociais e vê quem são os líderes, quem as pessoas seguem. Em redes off-line, face a face, isso funciona muito mais. Queremos descobrir como reduzir a violência para fazer projetos de intervenção em áreas de muita criminalidade.
Como qualquer tecnologia, isso pode ser usado para o mal --as redes podem fazer as pessoas comprarem mais produtos sem necessidade.
PREVER PROTESTOS
No futuro governos poderão prever, sim, quando protestos, revoltas e greves acontecerão. É assustador imaginar esse uso, já que algumas dessas descobertas podem ser usadas para suprimir a liberdade também e tentar interromper as greves.

Genes podem influenciar amizades

DE SÃO PAULO
Um estudo publicado na segunda-feira (14) na revista "Pnas" por Nicholas Christakis e James Fowler sugere que tendemos a escolher amigos geneticamente semelhantes a nós.
Em geral, nossos amigos são geneticamente tão similares a nós quanto um primo de quarto grau.
Segundo os autores da pesquisa, essa é a primeira análise da correlação de genótipos entre amigos, e o resultado pode ter grandes implicações para a teoria da evolução.
Os dados utilizados na pesquisa são provenientes de um estudo sobre doenças do coração realizado desde 1948 na cidade de Framingham, nos EUA. Os pesquisadores analisaram 1.367 pares de amigos e quase 477 mil marcadores genéticos e variantes desses marcadores. Eles descobriram que amigos têm mais chances de compartilhar variantes genéticas do que estranhos.
Outra descoberta foi que pessoas tendem a escolher amigos com sistemas imunes diferentes.
Ainda que esse resultado pareça contradizer a hipótese inicial dos cientistas, ela reforça uma tese de que há uma sutil influência biológica nas preferências de amizade.
Essa preferência por pessoas com sistemas imunológicos diferentes poderia trazer vantagens evolutivas. Por exemplo, se uma pessoa é imune ao patógeno "x" e seu amigo é imune ao patógeno "y", nem a pessoa nem o amigo poderiam pegar a doença "x" ou "y" um do outro.

 Folha, 16.07.14
www.abraao.com

www.abraao.com